Resenha: A Mulher de Pés Descalços - Scholastique Mukasonga

23 novembro 2020

Edição: 1
Editora: Nós
ISBN: 9788569020189
Ano: 2017
Páginas: 160
Tradutor: Marília Garcia

 Skoob
Sinopse: As obras de Scholastique Mukasonga são uma mortalha de papel para aqueles que não têm sepultura. O romance A mulher de pés descalços foi escrito em memória de Stefania, a mãe da escritora Scholastique Mukasonga, assassinada pelos hutus, durante a guerra civil de Ruanda. Às lembranças de um paraíso perdido, onde Stefania era uma senhora alegre e casamenteira, que dava conselhos às moças em torno do amor e da vida matrimonial, se mesclam imagens terríveis, como o medo constante e busca de esconderijos seguros para salvar seus filhos do extermínio.

Mais uma obra de Mukasonga para ficar guardada para sempre no coração.
Depois de ler "Baratas" eu entendi que enquanto não lesse as outras obras de Mukasonga não iria ficar sossegada, então foi o que fiz, li as outras duas obras, uma delas "A Mulher de pés descalços".
Que livro lindo! Mukasonga tenta trazer para o livro momentos bonitos que teve com a mãe.
Ela mesmo diz que não quer que seus livros sejam pesados, mas que mostrem que apesar de tudo ela foi feliz com os pais.
"Nem meu pai nem minha mãe pensavam em se exilar. Acho que eles tinham escolhido morrer em Ruanda. Eles seriam mortos na sua terra; ali, eles se deixariam assassinar. Mas as crianças tinham que sobreviver."
Este livro é dedicado a Stefania, sua mãe. Uma mulher forte e que lutou muito pela vida dos filhos, que sempre tentou fazer o melhor para que eles não sofressem por serem tutsis. O orgulho por ter tantos filhos, também era motivo de desespero pois a qualquer momento eles poderiam ser mortos. E quando eram meninas não era muito diferente, elas poderiam ser atacadas e estupradas. Stefania tinha um único proposito na vida: salvar seus filhos.
"Lentamente os dois militares pegaram as espingardas. "Eles não miravam no coração, e sim, nos seios, somente nos seios.
Eles queriam dizer a nós, mulheres tutsis: 'Não deem a vida a mais ninguém, pois, na verdade, se colocarem mais alguém no mundo, vocês vão acabar trazendo a morte. Vocês não são mais portadoras de vida, são portadoras de morte'"
O livro também tem momentos muito engraçados, Stefania era uma mulher decidida e era a "casamenteira" que sempre arrumava um jeito de ver as moças casadas, dando até um "jeitinho" para casar uma moça que já estava passando da idade de arrumar um bom marido. E o jeitinho que ela deu em uma situação me fez rir demais. Stefania tinha um coração imenso, fosse para salvar seus filhos, ou para ajudar seus vizinhos, ela sempre estava preparada.
Mukasonga e suas irmãs tinham a missão de cuidar de sua mãe, pois ela sempre dizia que era obrigação delas cobrirem seu corpo quando morresse. elas passavam o dia preocupadas com a mãe que se levantava bem cedo para o trabalho no campo e todas as outras obrigações de uma mãe.
"Não cobri o corpo da minha mãe com o seu pano. Não havia ninguém lá para cobri-lo. Os assassinos puderam ficar um bom tempo diante do cadáver mutilado por facões."
Durante todo o livro percebemos como o ser humano pode ser horrível, como os homens que atacaram tantas famílias, estupraram e mataram tantas pessoas com tamanha crueldade. Mas percebemos acima de tudo que mesmo com todo o sofrimento, o amor estava presente nas famílias, a compaixão entre os vizinhos sempre dispostos a dar um pouquinho de comida para quem precisasse, as reuniões ao redor do jarro de sorgo, onde tudo era resolvido. Mukasonga coloca nesse livro todo seu amor, e é possível sentir esse amor em suas palavras, é possível sentir o amor entre mãe e filha.
Mukasonga acredita que com seus livros as pessoas que morreram nesse terrível massacre não serão esquecidas, e com certeza se todos tiverem um pouco da compaixão de Stefania eles realmente nunca serão esquecidos.


Sobre a autora: 


Nascida em 1956, Scholastique Mukasonga conviveu desde a infância com a violência e a discriminação oriundas dos conflitos étnicos em seu país. Em 1960, sua família foi forçada a ir viver em Bugeresa, uma das áreas mais pobres e inóspitas de Ruanda. Anos depois, Mukasonga foi força a deixar a escola de serviço social em Butare e ir viver em Burundi. Dois anos antes do genocídio em Ruanda, Mukasonga mudou-se para a França, onde vive até hoje e publicou o livro autobiográfico Inyenzi ou les Cafards, que marcou sua entrada na literatura, em 2006. Foram publicados na sequência Lafemme aux pieds nus, em 2008, e L’Iguifou, em 2010. Seu primeiro romance, Notre-Dame du Nil, será publicado no Brasil com o título Nossa Senhora do Nilo e tradução de Marília Garcia, por ocasião da Flip 2017, marcando a estreia da autora no mercado brasileiro. Ganhador dos prêmios Ahamadou Kourouma e do Renaudot em 2012, dos prêmios Océans France Ô, em 2013, e do French Voices Award, em 2014, o romance se passa em Ruanda, num colégio de Ensino Médio para jovem meninas, situado no cume Congo-Nilo a 2500 metros de altitude, perto das fontes do grande rio egípcio, onde garotas de origem Tutsi são limitadas a 10% do corpo de alunos. Além de Nossa Senhora do Nilo, também com tradução de Marília Garcia, será publicado o romance-memorialista La femme aux pieds nus (A Mulher de Pés Descalços), sobre o relacionamento da autora com sua mãe, que morreu com os pés descalços — contrariando a tradição local — pela ausência da filha.

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