
Editora: Nova Fronteira
ISBN: 8508057881
Ano: 2004
Páginas: 528
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Sinopse: O boêmio Luís Bernardo não poderia imaginar que, em dezembro de 1905, um chamado do rei português D. Carlos iria mudar sua vida. Ele foi incumbido de uma missão patriótica: ser governador de São Tomé e Príncipe e se ocupar das relações diplomáticas com o cônsul - David Lloyd Jameson - que a Inglaterra mandara para “vigiar” os portugueses devido à divergência sobre a escravidão. Para fugir de um caso amoroso, ele aceita a proposta. Mas não só é a mudança de continente que atinge Luís Bernardo. É lá, em São Tomé e Príncipe que o incrédulo passa a acreditar no amor. Pena que a sua amada, a única mulher que amaria na vida, seja casada.

Resenha por Isaac Martins
Quando nos deparamos com um romance histórico que pretende utilizar fatos e criticar ou criar um panorama histórico, temos o medo de que o romance acabe se polarizando: ou focalizando muito na questão histórica, desprezando a narrativa principal, ou se distendendo tanto deste quesito que não parece mais do que um romance ambientado em um período passado, mas que não consegue nos transmitir a sensação de compreender, de perto, a realidade do período abordado. Ou seja, o romance se esvazia de narrativa, parecendo um livro de história, ou se esvazia de história, parecendo outro romance como qualquer outro. Equador cambaleia entre se tornar um livro de história, mas felizmente nunca esquece de sua linha narrativa e do desenvolvimento de seus personagens.
Equador é o primeiro romance do jornalista Miguel Sousa Tavares e muito provavelmente por isso ainda se nota traços fortes de quem escreve para os jornais. São descrições minuciosas e um estudo de ambiente impecável, conseguindo naturalmente caracterizar os espaços retratados. Ainda que tenha escolhido um ambiente relativamente restrito (basicamente todo o livro se passa entre as ilhas de S. Tomé e de Príncipe), o autor se aproveita de todos os sentidos a fim de introduzir o leitor na realidade santomense. Os cheiros das praias, a constante umidade, os sons dos pássaros, os sabores dos peixes. Tudo que é colocado em cena é minuciosamente explorado, e este é um dos pontos mais relevantes da obra.
“No extremo sufoco daquele clima, naquela prisão de cheiros que entonteciam, no meio daquela visão humana do Inferno, o corpo acusava o cansaço e a violência das condições. Amolecia, encharcava os lençóis de noite, suplicava tréguas à luz do dia e às horas do calor, mas o espírito mantinha-se ainda atento e alerta, fiel a tudo o que deixara para trás e concentrado na missão que o trouxera ali. Se assim não fosse, nada teria valido a pena.”Entretanto, é também onde o autor possui seu maior problema: os parágrafos puramente descritivos são sim um artefato útil para o leitor, mas durante o desenvolver da trama o escritor se utiliza de parágrafos extensos e puramente descritivos, parágrafos que duram por até duas páginas e que, na introdução ou na conclusão, exercem um papel fundamental e até inteligente de inserir e dar desfechos diretos e rápidos ao leitor. Porém, estes longos parágrafos durante o desenvolvimento da narrativa podem entediar o leitor, no momento onde ele precisaria estar mais focado.
O tédio só não é um inimigo de Miguel Sousa por seu outro grande atributo: a união entre a ficção e a realidade, e isso graças aos seus incrivelmente desenvolvidos personagens. Todos os personagens introduzidos na trama são bem desenvolvidos, sem seguir padrões pré-estabelecidos, como “o vilão”, “o mocinho”, “o ajudante”, “o guia”, etc. Ao invés de se apoiar nesses arquétipos que poderiam facilmente nos transmitir empatia ou antipatia, a narrativa explora todas as características psicológicas de seus personagens e os fatores para estas. Luís Bernardo é um lisboeta com crises de identidade: sua vida rotineira de gozação material o entedia, e isso também nos transmite angústias. Seus pensamentos quanto ao fim da escravidão são expressamente lógicos, e não por empatia, o que poderia nos afastar do personagem caso o autor não conseguisse nos inserir na vida, na pele deste personagem, com explorações tão profundas de seus sentimentos e seus desejos. Os outros personagens, que supostamente antagonizam o protagonista, como David Jameson, não são de forma nenhuma vilões, mas pessoas comuns em uma situação que as obriga a tomarem decisões, e o autor ainda nos desafia, como quem quer dizer “você conseguiria tomar uma decisão melhor?” porque o autor sabe e nós sabemos que, por mais controversas que sejam, todos os personagens tomam decisões lógicas e que, muitas vezes, são as únicas possíveis naquele ambiente.
“Ann. Só a ideia de fugir dela e deixá-la para trás em São Tomé destroçava-o. Não, desta vez, ele não queria fugir. Por nada deste mundo queria perder aquela mulher. Quereria, então, enfrentar as consequências? Não, também não queria. Que armadilha o destino lhe pregara!”Por fim, o relacionamento entre os personagens dá fluidez à trama. São sim introduzidos muitos personagens, mas suas relações são tão bem estabelecidas que, ao se lembrar de um, automaticamente é criada uma cadeia de memórias de todas as conexões entre eles. A trama basicamente se desenrola por relações: relações diplomáticas, relações contratuais, relações de amor, paixão e amizade, assim como relações de rivalidade. Até mesmo as relações sexuais são tratadas com significância narrativa, e possuem em si valores que serão utilizados no desenvolvimento dos personagens e da trama.
Assim, Equador é um livro empolgante e até mesmo ligeiramente educativo: ao mesmo tempo que nos importamos com as tramas individuais, nos envolvemos com a trama política e vemos o período de nascimento da escravidão moderna que tanto se fala nos jornais. A grafia da edição original, em português de Portugal, foi mantida a pedido de autor, o que, em minha opinião, só nos ajuda a imergir naquele mundo distante na costa da África mas que se une ao nosso por meio da língua e de um histórico político e econômico que nunca pode ser esquecido.
“Agora, que o seu mundo de outrora se tornara apenas uma recordação antiga, alimentada em notícias de jornal ou esparsas cartas de amigos, aquela paisagem das ilhas era o que lhe restava de íntimo, de familiar, de território seu. Agora, que tudo parecia aproximar-se do fim, ele compreendia pela primeira vez o que sempre lhe parecera incompreensível: o apego de tantos homens brancos a África, aquela ligação desesperada e quase doentia que prendera tantos para sempre àquelas ilhas, de que só pensavam partir, mas de que verdadeiramente não conseguiam desprender-se.”
Sobre o autor:

Escritor e jornalista português, filho da poetisa portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen e do advogado Francisco Sousa Tavares. Começou a sua vida profissional pela advocacia, que abandonou em favor do jornalismo de onde passou para a escrita literária. Tem uma obra diversificada, essencialmente marcada por crônicas e reportagens, mas fez já outras digressões literárias, nomeadamente com a publicação de um livro infantil, de vários contos e de romances. Equador, de 2004, foi um best-seller, estando traduzido em mais de uma dezena de línguas estrangeiras. Rio das Flores, em 2007, teve uma primeira tiragem de 100 mil exemplares. Recebeu o Prêmio de Jornalismo e Comunicação Victor Cunha Rego, em 2007.
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